“Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia”.
Fernando Pessoa
Como é linda a nossa estória. Procuramos por aquilo que não conhecemos, mas seguimos buscantes com a intuição de que algo adormecido dentro de nós depende dessa busca para ser acordado e integrado.
Na concretude da realidade, na dureza da estrada, muitas vezes, perdemos o encanto de nossos dias. Sem o encantado, a vida perde o gozo, a alegria e, por assim dizer, o sentido. Vida sem cores, sem aromas e sem amores verdadeiros. A realidade cotidiana, descolorida, nos embrutece e nos deixa mais fracos. É uma vida oca, com a sensação de perdida. De caminhar sem saber para onde.
Mas o Infante dentro de nós não permite que nos abandonemos naquilo que não é eterno, que não preenche os nossos corações. Mesmo que vencido em muitas batalhas, ele segue confiante que a felicidade lhe pertence, que ela é linda, ainda que momentaneamente esteja adormecida.
É preciso se atentar para as miudezas do caminho, pois nelas estão as chaves que abrem a nossa alma, as chaves do eterno e do divino que há em nós. A morada da alma é o nosso coração e sua linguagem é delicada. Para ouvi-la, é preciso o silêncio do sono da Princesa.
A Princesa e o Infante seguem dentro de nós, aguardando que em nosso caminhar sejamos capazes de promover esse encontro, superar o muro, tocar a hera e tirar o véu que nos separa de uma Vida Plena!